Concluímos a parte II da análise da defesa de Dilma Roussef com os 5 pontos, de (a) até (e), de Eduardo Cardozo.
E se desconfiássemos que pudéssemos estar equivocados, vemos a reiteração destes 5 pontos, no final da página 8 da defesa, que transcrevemos abaixo:
"
A ideia de penalizar drasticamente aquela que foi investida da condição de ser a primeira mandatária na nação, em um regime presidencialista, só pode passar por gravíssima conduta torpe, alicerçada em má-fé que a todos repugna e em odiosa intenção imoral e ilícita. Quem age com mera culpa, e não com dolo, poderia até infringir a Constituição, mas jamais "atentar contra ela", no grave sentido axiológico em que o termo é definido no texto da nossa lei maior"
Vemos que o digníssimo advogado se concentra na consequência de um ato possível "
penalizar drasticamente aquela que foi investida da condição de ser a primeira mandatária na nação" e ainda tece o elogio a quem está sendo acusada de uma falta notória. A pena não é drástica, como ele diz, pois implica em retirada do cargo e na perda de direitos políticos.
Não há o perigo de prisão, nem de privação de liberdade, e sim uma pena de caráter político.
A natureza do delito
No texto que se segue, o advogado discute se a natureza do delito de Dilma é Jurídico, Político ou Jurídico-Político:
"
Há que se observar, portanto, que em consonância com o sistema presidencialista que adotou, a Constituição Federal de 1988 delimitou claramente o universo restrito de admissibilidade dos denominados "crimes de responsabilidade" que podem autorizar a abertura de um processo de impeachment. E, ao assim fazer, assegurou definitivamente a concepção de que tais delitos não possuem apenas uma natureza unicamente "política", tampouco amplamente "discricionária". São, na verdade, verdadeiras "infrações jurídico-políticas" cometidas diretamente por uma Presidenta da República e no exercício do seu mandato, conforme majoritariamente define a doutrina dominante nos dias atuais.
A afirmação de serem os "crimes de responsabilidade" infrações de natureza "jurídico-política" traz uma importância absolutamente relevante para esse conceito que, por sua vez, guarda uma conexão intrínseca com a adoção do sistema presidencialista por um Estado Democrático de Direito (Estado Constitucional), na conformidade do já exposto. Em larga medida, este conceito expressa, nos seus próprios limites e contornos constitucionais, a excepcionalidade da sua prefiguração jurídica e democrática, como forma de garantia da estabilidade institucional em um regime presidencialista.
Deveras, ao se afirmar que possuem intransponível natureza "jurídico-política", reconhece-se que os crimes de responsabilidade exigem para a sua configuração in concreto, ou seja no mundo dos fatos, a ocorrência de dois elementos ou pressupostos indissociáveis e de indispensável configuração simultânea para a procedência de um processo de impeachment. Um é o seu pressuposto jurídico, sem o qual a apreciação política jamais poderá ser feita, sob pena de ofensa direta ao texto constitucional. O outro é o seu pressuposto político, que em momento algum poderá ser considerado pelo Poder Legislativo, em um regime presidencialista, sem a real verificação fática da existência do primeiro."
Durante as sessões do Senado, em que se esgotou o assunto do Impeachment, do mérito, e da admissibilidade do Impeachment, com posterior aprovação do afastamento da Presidente, pelo menos uma coisa ficou clara para os brasileiros: a preponderância do
aspecto político, pois o Senado, no caso do Impeachment, não se configura em um tribunal de natureza Penal. O aspecto jurídico se expressa na flagrante desobediência de um dispositivo da Constituição (
artigo 85) e da Lei que especifica o Impeachment (
Lei 1079). Esta Lei é a regulamentação do artigo 85 (em termo leigo).
Se um ato, de qualquer um, infringiu a lei, existe natureza jurídica. Isto é da própria natureza das leis. O simples estacionar em local proibido é uma infração, pois ali existe uma placa de estacionamento proibido cuja regulamentação foi feita por intermédio de uma LEI.
O próprio Eduardo Cardozo admite, pois senão seria tachado de louco, caso não admitisse que "
Em larga medida, este conceito expressa, nos seus próprios limites e contornos constitucionais, a excepcionalidade da sua prefiguração jurídica e democrática, como forma de garantia da estabilidade institucional em um regime presidencialista".
Mas no trecho subsequente, o advogado reafirma o seu erro de interpretação de dispositivos constitucionais, ao dizer:
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O pressuposto jurídico é a ocorrência, no mundo fático, de um ato, sobre o qual não pairem dúvidas quanto à sua existência jurídica, diretamente imputável à pessoa da Presidenta da República, praticado no exercício das suas funções, de forma dolosa, ao longo do seu mandato atual, tipificado pela lei como crime de responsabilidade, e que seja ainda de tamanha gravidade jurídica que possa vir a ser qualificado como atentatório à Constituição, ou seja, capaz de por si materializar uma induvidosa afronta a princípios fundamentais e sensíveis da nossa ordem jurídica."
Infantilmente, ele insiste em uma distinção entre culposo e doloso para bens jurídicos constitucionais. Repetimos que, aqui, não existe tratamento penal, tanto que a presidente afastada não corre o risco de ser presa. Não há pressupostos penais tanto nos atos como nas consequências deles. E já mostramos, na Parte II, que a desobediência a um dispositivo constitucional é um atentado à mesma. Desobedeceu um artigo, atentou contra todos, que foram colocados ali como parte de algo que tem a coesão citada pelo próprio Eduardo, quando diz: "
garantia da estabilidade institucional em um regime presidencialista". A quebra de um artigo, pode colocar em risco toda a ordem constitucional.
O advogado oscila entre achar pouca a gravidade do delito e se submeter aos fatos. Vejam o que ele diz:
"
O pressuposto político é a avaliação discricionária de que, diante do ato praticado e da realidade que o envolve, configura-se uma necessidade intransponível de que a Presidenta da República seja afastado do seu cargo. Em outras palavras: que o trauma político decorrente da interrupção de um mandato legitimamente outorgado pelo povo seja infinitamente menor para a estabilidade democrática, para as instituições e para a própria sociedade do que a sua permanência na Chefia do Poder Executivo."
Ele mesmo reconhece que o afastamento da Presidente ou do Presidente é um trauma político menor. A política NÃO É UM EXERCÍCIO DE DAR UMA NOVA CHANCE. Quem entra em cargos públicos de exercício compatível com adultos maduros (pelo menos em seu pressuposto), SABE PERFEITAMENTE ONDE ESTÁ ENTRANDO. A tentativa deste advogado de valorar em pouco (culposo) ou muito (doloso) o ato de um Presidente da República, é apenas um subterfúgio, posto que este cargo influencia a vida de 250 milhões de pessoas, pode significar a perda de empregos, perda de recursos, fome, doenças e caos social.
Mesmo em uma empresa com 3 empregados, chefes de famílias, a irresponsabilidade do lider pode provocar a perda dos empregos dos mesmos, com a provável ruína de suas famílias. Ora, imaginem o erro de um Presidente de um país.
Conclusões contraditórias
Não se compreende, pelo que foi exposto, pelo mesmo advogado, a sua conclusão para a natureza do delito, quando este diz, logo em seguida:
"
Desse modo, portanto, diante de tudo o que já foi exposto, a própria definição dos crimes de responsabilidade como infrações "jurídico-políticas", afasta, de plano, a possibilidade de que uma Presidenta da República sofra um processo de impeachment pela mera avaliação discricionária de que seria "inconveniente" para o país a sua permanência no exercício das funções para as quais foi regular e legitimamente eleito. Repita-se: nossa Constituição não adotou o regime parlamentarista, ou outro que a ele se assemelhe. No presidencialismo, para a interrupção do mandato do Chefe de Estado e de governo exige-se a ocorrência de um pressuposto jurídico, fático, tipificado com todas as características acima apontadas. Sem que isto ocorra não haverá motivo ou justa causa para que seja admitido, processado ou julgado procedente um pedido de impeachment."
A conclusão, logo ao início do parágrafo é incompatível com o que ele mesmo explicou sobre a natureza do delito ser jurídica e política. Ou será que ele não entende como delito jurídico a desobediência a um só artigo de uma Lei que seja ? A avaliação "meramente discricionária" é uma adjetivação muito subjetiva quando se desobedece uma lei, seja ela qual for. Não existe delito grande ou pequeno quando se trata da condução de um país com a extensão do Brasil, e quando tantas vidas se desenrolam em seu território. Delito de Presidente não é como um erro de criança.
A frase emocional "para as quais foi regular e legitimamente eleito" não é justificativa para um delito, senão estaríamos dando "carta branca" a vereadores, prefeitos, deputados estaduais, governadores, deputados federais e senadores, para que pudessem cometer pequenas faltas, dando-lhes uma segunda chance. A tendência do país é a responsabilização, e o abandono do clientelismo herdado do período colonial.
E a conclusão do advogado quanto à natureza do delito:
"Donde concluir-se que somente diante de uma realidade em que os dois pressupostos acima apontados - o jurídico e o político - se façam simultaneamente presentes é que será possível falar-se na interrupção legítima de um mandato presidencial, pela ocorrência de um verdadeiro crune de responsabilidade, sem ofensa à Constituição e ao que caracteriza um Estado Democrático de Direito em um regime presidencialista. Fora disso, o impeachment se dará com clara ofensa e ruptura da ordem jurídica e democrática vigente."
Estranha-se ele, um advogado (Advogado Geral da União) não ter encontrado natureza jurídica na desobediência a um artigo e a uma Lei (qual seja a de Responsabilidade Fiscal). Sua conclusão é inválida e tendenciosa.
Golpe ou não
A defesa de uma pessoa deve se dar na direção de provar que ela não cometeu um ato. Desviar-se do ato da pessoa, afirmando que a consequência foi exagerada, ou que ela é vítima de conspiração, QUANDO EXISTEM AS CONSEQUÊNCIAS DE SEU ATO (sangria do caixa), e QUANDO EXISTEM OS PRÉ-REQUISITOS CARACTERÍSTICAS DE SUA FUNÇÃO (só um presidente tem poder para influir em estatais, ou de emprestar seu poder para um terceiro, seja José Dirceu, seja um empreiteiro).
"É nesse contexto que devemos compreender a curiosa discussão que se trava no âmbito da opinião pública brasileira, e amplamente explorada por meios de divulgação, quanto a um processo de impeachment ser um "golpe de Estado" ou não"
Vamos partir da hipótese de Golpe, Conspiração ou tramóia. Existiu o ato. Desculpar (tirar a culkpa, não perdoar) a Presidente com a alegação de Golpe seria o mesmo que inocentar Lee Harvey Oswald pela morte de Kennedy (provada sua autoria) sob a alegação de Conspiração. Ele foi apenas o "braço armado" que levantou e disparou o fuzil. Então, na História da França, a Revolução Francesa também foi um Golpe, pois retirou um Rei CUJO DIREITO DE HERANÇA LHE GARANTIA O REINADO. A raciocinarmos assim, Dom Pedro I "deu um golpe" em seu pai, pois desligou o Brasil da influência direta de Portugal, que legalistas como os que temos hoje no PT, PDT e PCdoB (não citarei o PSOL, pois é legenda de aluguel) e, segundo este tipo de pensamento, PORTUGAL ERA O LEGÍTIMO DONO DO BRASIL.
Vamos prosseguir com a lista de "Golpes". Os americanos declararam sua independência do Reino da Inglaterra que, com seu conhecimento de engenharia naval promoveu as grandes navegações. Não seria um ato de gratidão dividir os lucros obtidos com os recursos destas terras tão abundantes com aqueles que tornaram isto possível ? Os americanos deram, então, um "Golpe" nos ingleses ?
Teríamos que ceder à Dilma, por semelhança, pelos bilhões que "doou" aos empreiteiros, utilizando recursos do BNDES, ou a Usina de Gãs que doou aos bolivianos, ou à ajuda (que de nada adiantou) à Venezuela, para encontrarmos este país passando fome, ou o dinheiro "dado" para o metrô argentino, o direito de continuar no "Trono de Benfeitora dos Humildes" ?
Parece que esta é a troca que Eduardo Cardozo propõe. Deixem Dilma em paz, pois ela fez muito.
E ele confirma este seu pensamento:
"Em face dos princípios que afirmam ser o Brasil um Estado Democrático de Direito que adota o regime presidencialista e do que dispõe a Constituição Federal de 1988, ao que tudo indica, essa discussão parece se revestir, data venia.• da condição de uma falsa polêmica. É obvio que se uma Presidenta da República, em nosso país, praticar conduta desabonadora que configure os pressupostos jurídicos e políticos da tipificação de um crime de responsabilidade, o processo de impeachment poderá ser admitido, processado e julgado, em total acordo com a Constituição e as nossas leis em vigor. A nossa ordem jurídica terá sido respeitada e não haverá, por óbvio, nenhum desrespeito às regras que caracterizam um Estado Democrático de Direito.
Nesse caso, naturalmente, um impeachment jamais poderia ser visto como ou equiparado a um golpe de Estado. Seria uma solução para um grave problema institucional, inteiramente resolvido dentro dos mandamentos constitucionais vigentes.
Todavia, o mesmo não se dará, por óbvio, se pressões políticas e sociais vierem a propor um processo de impeachment em que não se configura, com um mínimo de juridicidade, a ocorrência de um crime de responsabilidade, por faltarem, às escâncaras, os pressupostos exigidos para a sua configuração constitucional. Nesse caso, os atos jurídicos praticados na busca da interrupção do mandato presidencial estarão em colisão aberta e escancarada com o texto Constitucional e, caso efetivados, qualificarão uma óbvia ofensa ao Estado Democrático de Direito e uma inexorável ruptura institucional. É inteiramente adequado, assim, que uma ação desta natureza seja vista como um verdadeiro "golpe de Estado", praticado com desfaçatez e a mais absoluta subversão da ordem jurídica e democrática."
Ele parte da premissa de que "se uma Presidenta da República, em nosso país, praticar conduta desabonadora que configure os pressupostos jurídicos e políticos da tipificação de um crime de responsabilidade, o processo de impeachment poderá ser admitido, processado e julgado, em total acordo com a Constituição e as nossas leis em vigor".
Houve delito, mas ele, deliberadamente, eleva o patamar de aceitação do mesmo, usando a expressão exagerada "a mais absoluta subversão da ordem jurídica e democrática". Ele esconde em subversão o "doloso" que não existe no caso de crimes constitucionais. Para que o leitor tenha uma ideia da gravidade existente numa simples desobediência à constituição, empregados que entraram sem concurso em estatais, APÓS O ANO DE 1988, sofreram as consequências desta desobediência anos depois, pois CRIME CONTRA A CONSTITUIÇÃO NÃO PRESCREVE.
Na premissa que Eduardo Cardozo colocou POR SUA CONTA, ele espera, além da subversão da ordem jurídica, a subversão de ordem democrática. Isto não esta expresso na Constituição
como requisito obrigatório de se haver crime constitucional. Um presidente pode cometer um ato de improbidade sem ferir a democracia. Esta colocação é, não só infeliz, como infantil e falaciosa.
Já citamos acima atos que poderiam ser interpretados como Golpes (da Revolução Francesa, de Dom Pedro sobre Portugal, ...), e Eduardo Cardozo dá a sua visão:
"É comum utilizar-se a expressão "golpe de estado", em todos os continentes ("Coup d'État", "Staatsreith'), para definir-se as situações em que ocorre a deposição, por meios inadmitidos pela ordem jurídica, de um governo legítimo. Embora, no plano histórico, seja mais comum a materialização de golpes pela força das armas, também não se pode ignorar que, muitas vezes, e em especial nos dias que se seguem, tais rupturas institucionais são urdidas e executadas sob o aparente manto da "legalidade".
Ele esconde "governo legítimo", para defender a "Monarquia legal de 4 anos pelo voto". Ou seja, se a entrada no poder for legítima (pelo voto), então todo o período de governo, seja ele como for, útil ou prejudicial à nação, será igualmente legal. É como dizer que se uma pergunta for magnificamente bem formulada, qualquer resposta serve, pois a questão atingiu seu melhor na pergunta.
Governo feito de qualquer jeito é MONARQUIA,
pois se tudo é permitido ao mandatário, ele não é nem Prefeito, nem Governador e nem Presidente, mas sim um REI.
E por que dizer Golpe ? Se tudo tivesse corrido bem, sem roubarem a Petrobrás, sem investirem em países que sabidamente não vão a lugar nenhum com os governos autoritários, como Bolívia, Angola e Cuba, haveria alguém reclamando ? Se o telhado não é de vidro, corre menos risco de se quebrar.
Com isto encerramos esta terceira parte da análise da "defesa" de Dilma.